Carl Schmitt
(1888 - 1985)

Carl Schmitt nasceu em 1888, na Alemanha. Filho mais velho de uma família rigorosamente católica, foi discípulo ocasional de Max Weber e terminou seus estudos de direito com tese de doutorado intitulada “Sobre a culpa e os gêneros de culpa”, em 1910. Lecionou em Estraburgo, Berlim, Bona e Greiswald e tornou-se conhecido nos anos 20 pelos seus estudos e escritos nas áreas de Teoria da Constituição, da Filosofia Política, da História das Idéias e das Teorias Geral do Estado. Quatro anos depois apresentou tese de livre docência, na Universidade de Estraburgo sobre “O Valor do Estado e a Significação do Individual”, onde abordava filosofia política do neokantianismo. Por ser amigo de poetas expressionistas e de intelectuais católicos (Theodor Daubler, Konrad Wens ou Hugo Ball), Schmitt não se limitou a temas jurídicos. Lançou escritos sobre filosofia, sociologia e teologia. Sua produtividade, com quase cinqüenta livros e mais de duzentos e cinqüenta ensaios, abrange ampla área do mundo político e espiritual. Após sua morte, em 1985, torna-se um mito, pois sua obra emerge como objeto de pesquisa em razão da diagnose de suas análises e argumentações, criadas nas décadas de 60 e 70. Desde então se assiste a uma sustentada reedição de seus principais escritos, bem como à coleção de estudos comemorativos e à realização de debates e colóquios científicos sobre o significado do seu pensamento, nem sempre acessível ou claro em primeiro grau, mas quase sempre vanguardista.

De fato, o poder de análise crítica de Schmitt, enraizado em amplo conhecimento da história e cultura modernas, não poderia ser enquadrado no esquema direito-esquerda. Provocou, ao contrário, discussão polêmica quanto à sua filiação partidária. Foi crítico veemente do sistema político da República de Weimer, tornou-se conselheiro do governo quando da intervenção federal na Prússia em 1932 e, um ano mais tarde, era eminência parda de círculos importantes do nazismo que o ignorou em 38.

Como jurista contribuiu, antes de tudo, ao desenvolvimento da doutrina da constituição moderna, cuja base encontra-se na atenta releitura da tradição européia. Vários pensadores fundamentaram seus estudos, sobretudo o absolutista, Thomas Hobbes (1588-1679), autor de sua preferência .

É nessa revisão da literatura política da Europa que Schmitt, em diferentes trabalhos, elabora pensamento pessimista sobre o mero formalismo da democracia moderna em sua forma parlamentar, (citado pela primeira vez no esboço, “A situação espiritual do parlamentarismo atual”). Schmitt vai mostrar que tanto a democracia quanto o parlamentarismo teriam que ser radicalmente diferentes em razão da oposição dos princípios neles vigentes: a democracia estaria ancorada na idéia da necessária homogeneidade do povo, enquanto o parlamentarismo de massas pressuporia a contradição existente dos interesses particulares entre as camadas da sociedade (Flickinger, Hans)

Então, esta sua opinião, fundamentada nas idéias tradicionais da democracia, marca a oposição do pensamento de Schmitt em relação aos principais teóricos de estado na época de Weimar.

Der begriff des politischen Na obra “O conceito de Político” (Der Begriff des Politischen), escrita em 1932, Carl Schmitt vai assentar o núcleo de sua teoria política na concepção de soberania. É partir desse conceito que se desenrola a sua argumentação diante dos novos tempos, que é o resgate da área do político dentro das comunidades modernas. Trata-se, na verdade, da busca de tomadas de decisões efetivas, concretas, frente aos discursos sem fim da política, que se constituem, para ele, como forma de alheamento ou “desresponsabilização” pelos agentes políticos. Assim explicar o caráter da sua teoria política (moderna) implica em nomear e conceituar categorias políticas que, para o autor, são: amigo-inimigo, guerra, Estado e soberania. A abordagem schmittiana vai mostrar que a determinação do conceito de político ocorre quando da identificação das categorias especificamente políticas, dado que o agente tem seus próprios critérios que se tornam eficazes diante de domínios diversos e independentes (como o moral, o econômico, etc.). Então, frente à diversidade ele precisa situar-se em algumas distinções para a deflagração da ação política. E cita, como exemplo, distinções nas esferas moral (como o bem e o mal), estética (como o belo e o feio) e econômica (como o rentável e o não rentável). Dada a profusão dessa preocupação, Schmitt questiona se também existe uma distinção como critério simples do político e em que ela consiste. Aqui emerge o conceito de amigo-inimigo como o dualismo de caráter (distinção) especificamente político. A ação política em Schmitt é fundada, então, nesta discriminação. É ela quem estabelece a determinação conceitual do critério, pois é independente.

(...) a diferenciação entre amigo e inimigo tem o sentido de designar o grau de intensidade extrema de uma ligação ou separação, de uma associação ou dissociação; ela pode, teórica ou praticamente, subsistir, sem a necessidade do emprego simultâneo das distinções morais, estéticas, econômicas ou outras. O inimigo político não precisa ser moralmente mau, não precisa ser esteticamente feio; não tem que surgir como concorrente econômico, podendo talvez até mostrar-se proveitoso fazer negócio com ele. Pois ele é justamente o outro, o estrangeiro, bastando à sua essência que, num sentido particularmente intensivo, ele seja existencialmente algo outro e estrangeiro, de modo que, no caso extremo, há possibilidade de conflitos com ele, os quais não podem ser decididos mediante uma normatização geral previamente estipulada, nem pelo veredicto de um terceiro “desinteressado”, e, portanto, “imparcial”. (p.52) Então compreender essa definição significa dizer que tanto a origem quanto a aplicação da política estariam ancoradas nesse binômio, e seu objeto final seria a defesa dos amigos e o combate aos inimigos. Assim a política, enquanto a distinção mais forte e intensiva, invoca as outras a seu favor (bom e mau, belo e feio). O caráter do político, de “natureza objetiva e de autonomia intrínseca”, é então o de separar a contraposição de outras diferenciações e de entender a sua independência.

A formulação destes conceitos, de amigo e inimigo, decorre da idéia de que os povos sempre se agruparam segundo esse sentido (amigo-inimigo) e que até hoje essa condição é dada e é só por isso que existem politicamente.

O inimigo, portanto, não é o concorrente ou o adversário em geral. O inimigo também não é o adversário particular que odiamos por sentimentos de antipatia. Inimigo é um conjunto de homens, pelo menos eventualmente, isto é, segundo a possibilidade real, combatente, que se contrapõe a um conjunto semelhante. Inimigo é apenas um inimigo público, pois tudo que refere a tal conjunto de homens, especialmente a um povo inteiro, torna-se por isto, público. O autor ainda recorre a exemplos antigos. Cita que no combate entre cristãos e muçulmanos, jamais os primeiros entregaram a Europa ao Islã. Ao contrário, defenderam o continente dos ataques pelos sarracenos. Como forma de legitimar o estado soberano, fundado no conceito de amigo-inimigo, Schmitt propõe a guerra como categoria de ação normativa, capaz de orientar a ordem pública. Aqui o que o teórico alemão tem em mente nada mais é do que revelar a existência de conflitos no estado de natureza do homem ou nos grupos sociais. Este seu pensamento é elaborado a partir da concepção política de Hobbes (1588-1670) que, em muito, influenciou seus estudos. Na obra hobbesiana denominada o Leviatã, esse pensador localiza na natureza do homem a discórdia (conflito) permanente, em razão “da competição, desconfiança e glória... É uma guerra de todos os homens contra todos os homens”. Assim, para superar esse estado natural, Hobbes propõe um modo de pacto estabelecido no contrato social (Estado). É o pacto de submissão, que transfere a liberdade voluntária do indivíduo ao Estado, que passará a agir em nome de todos. Hobbes defende o Estado Absolutista.

A partir dessa perspectiva, o teórico da política moderna fala da guerra como modalidade normativa das tensões existentes; da inimizade, visto que ela é a “negação ontológica de outro ser” ou a “realização extrema da inimizade”. Assim, enquanto existir a idéia de inimigo, a guerra não deve ser descartada.

Dado o conceito, tal e qual fundamentado por Schmitt, não devemos significar a política como instrumento de guerra. A guerra aqui não tem caráter de uma “ação militar ou belicista, imperialista ou pacificista”. Menos ainda vista como a objetividade da prática e ação política. “Mas deve ser vista como pressuposto sempre presente como possibilidade real a determinar o agir e o pensar do sujeito social para a emergência do comportamento político”. É a partir dessa possibilidade que a vida adquire uma tensão especificamente política. Ela só tem sentido enquanto existir essa dicotomia. Do contrário, uma guerra deflagrada por razão religiosa, moral ou econômica seria um contra-senso. Assim, é a guerra o único instrumento para a distinção de amigo-inimigo, de acordo com o autor.

Com a profusão do conceito amigo-inimigo, Schmitt vai falar da concepção de Estado como unidade política (entendida como unidade pela pressuposição da existência real de um inimigo), independentemente das “forças que extrai” (religiosas, econômicas, morais, etc.). Para o teórico alemão, essa unidade é, por essência, determinante. Existe ou não. Se existe é ela quem vai determinar o jus belli contra o inimigo. É o Estado soberano quem decide a guerra.

Assim, após as colocações conceituais do político, Carl Schmitt elabora o conceito de plurisverso (em oposição a universo) do mundo político. Para o teórico a unidade política prevê a existência de um inimigo e, justamente por isso, deve existir uma outra. Em razão desse princípio é que, enquanto existir um Estado, sempre existirão outros, pois não existe um Estado mundial que acomode nosso planeta e toda humanidade (todos os povos, as diferentes religiões, classes). Schmitt nos remete então para uma teoria do Estado de caráter pluralista , pois a unidade política não pode ser universal. Se assim fosse, a humanidade como tal não poderia fazer guerras, pois não teria inimigos. Aqui o conceito de humanidade exclui o conceito de inimigo, porque o inimigo não deixa de ser homem, e assim não se dá diferença nenhuma. Quando um Estado luta contra seu inimigo em nome da humanidade, ele só quer ocupar um conceito universal frente ao seu inimigo, pois a humanidade é um “instrumento ideológico”, especialmente útil para discursos imperialistas. O teórico evoca Proudhon para afirmar que “quem diz humanidade, pretende enganar”.

Schmitt lembra que humanidade não é um conceito político e a ele não corresponde nenhuma unidade política. “O conceito humanitário de humanidade, do século XVIII, era uma negação polêmica da ordem aristocrático-feudal ou estamental então existente e de seus privilégios”.
     
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