História e Estilo


Ao longo dos tempos, e à medida que se sucedem as gerações, a arte experimenta mudanças em sua maneira de ser e cabe à história da arte avaliar a importância dessas modificações. Mas a história deve ser, mais do que uma enumeração interminável de fatos, um ordenamento destes (com suas conseqüências), de modo que toda prioridade seja dada aos realmente mais importantes. Também o historiador da arte deve ordenar por classes os fatos de que dispõe, segundo um critério de qualidade.

Uma vez que, como expressão da consciência humana, a arte se acha intimamente ligada aos grandes movimentos culturais de cada época, costuma-se às vezes designá-la de acordo com os principais períodos em que se divide a história da humanidade. Assim, fala-se em arte da antiguidade, medieval, do Renascimento e moderna, recorrendo-se a uma divisão demasiadamente ampla, mas válida.

O ocaso da Grécia e da Roma clássicas e o início de uma nova era entre as invasões bárbaras e a coroação de Carlos Magno podem ser detectados tanto na arte como nos demais campos da atividade humana. De igual modo, as alterações ocorridas na arte, por volta de 1500, podem servir para marcar o fim da Idade Média tão claramente quanto a Reforma e o descobrimento da América.

Essas classificações simplificadoras, no entanto, também são limitadas. Como a história surge com o documento escrito, as civilizações que não deixaram sua crônica tendem a ser desprezadas em muitos manuais de história da arte. Pouco a pouco, a arte pré-histórica foi revelada pelos arqueólogos, ao mesmo tempo que culturas até então desdenhadas pelos historiadores, como as das sociedades "primitivas" da África, da América, da Oceania e das regiões polares, mais bem estudadas, mostraram possuir estilos próprios, de cuja análise surgiram novas luzes para a compreensão da arte contemporânea.

É erro considerar toda arte da antiguidade como mero estágio preliminar da arte medieval, da mesma forma que não se pode ignorar a contribuição dos verdadeiros precursores da Europa medieval, isto é, os saxões, celtas e ilírios. A arte medieval parece constituir um retrocesso quando comparada com a grega clássica. Em relação à arte pré-histórica européia, todavia, constitui um desenvolvimento progressivo e natural. Assim, ignorar a arte pré-histórica européia é sugerir que a arte medieval não teve infância ou adolescência.

O historiador da arte do século XX deve considerar todas as áreas culturais em relação umas às outras. Verá que cada uma possui características peculiares, se bem que influências de outras áreas freqüentemente possam ocorrer. A arte da Europa é perfeitamente distinguível da do Extremo Oriente e dentro da própria Europa é nítida a diferença entre a arte européia ocidental e oriental, sobre a qual se fez sentir, durante séculos, a influência bizantina.

Embora não exista nos livros de história nenhuma indicação de que a Europa tenha constituído uma unidade cultural, o estudo de suas manifestações artísticas revela claramente como a passagem do românico para o gótico, do Renascimento para o Barroco e daí para a arte moderna ocorreu de modo semelhante em todos os países europeus.

A arte é um instrumento de aferição tão agudo que pode detectar as menores variações. Apesar de alguns pontos que todos têm em comum, os países europeus apresentam estilos nacionais característicos. O gótico francês difere do alemão, do italiano ou do inglês. O especialista pode distinguir diferenças ainda mais sutis. Pode, por exemplo, afirmar se uma Madona de cerca de 1500 foi executada no norte ou sul da Alemanha, ou se determinado desenho é da mão de Dürer ou de Grünewald. Na fixação de um estilo particular, o artista constitui, na verdade, a unidade menor.

O problema do estilo vai mais longe. Quando se indaga "que estilo é esse?", a tendência é pensar não em termos de um artista ou mesmo de um país em especial, mas no período histórico em que a obra teria surgido. Um estilo individual ou nacional é determinado por fatores que se revelam constantes. Pode-se reconhecer um mestre em função de algo imitável nele, ainda que suas obras mais antigas sejam diferentes das de sua maturidade.

O conceito de período estilístico, ao contrário, baseia-se na idéia de modificação. Ninguém falará em estilo "alemão primitivo" ou "alemão tardio" e sim nas diferentes fases atravessadas pelo gótico na Alemanha. É bem verdade que a arte de determinadas regiões se alterou bem pouco, se comparada à da Europa: a arte egípcia, por exemplo, mostra modificações relativamente pequenas no transcurso de milênios, e ocorre o mesmo com certos aspectos da arte bizantina, quase inalterados entre os séculos XIV e XVIII.

O período cristão-primitivo ocupa posição-chave, a meio caminho entre os períodos clássico e medieval. Por volta dos séculos III e IV, os cristãos começaram a conciliar as formas clássicas a seus ideais. As primeiras obras de arte cristãs foram produzidas num cenário ainda pagão, e era lógico que, em seu estilo, revelassem essa origem pagã. No entanto, já continham novos elementos que cedo iriam gerar um estilo abstrato e transcendente, que anuncia certas tendências da arte medieval.

Ocorre freqüentemente, por exemplo, um significativo desprezo para com o volume, e não há a preocupação de evocar individualidades, sempre que se trata da forma humana. Tais características teriam sua plena realização na arte solene e imutável de Bizâncio, embora até mesmo a arte bizantina mostrasse dualidade estilística, com um tanto de clássico e um tanto de hierático.

A arte carolíngia dos séculos VIII e IX dá nova vida a formas antigas e tardias, insinuando-se nas tradições do norte, puramente abstratas. Sob esse aspecto, pode ser considerada a base a partir da qual se desenvolveu um estilo artístico ao mesmo tempo europeu e pós-antigo. O estilo carolíngio era internacional. Com a fragmentação do império de Carlos Magno, no entanto, cada novo país assim surgido passou a desenvolver seu estilo nacional.

A arte otoniana dos séculos XI e XII caracteriza-se por um estilo rígido e monumental, inteiramente diferenciado do que então dominava na França, Espanha, Itália ou Inglaterra, embora todos esses estilos se tivessem originado na arte carolíngia. Nessa época, estava começando um dos mais fecundos períodos históricos da arte inglesa. Talvez o lugar de destaque na arte do período saxônico coubesse à escola de pintura de Winchester, que entremostra um relacionamento inteiramente original entre as figuras e a ornamentação, encontro notável de elementos clássicos e abstratos, capaz de gerar um novo estilo repleto de antecipações expressionistas.

O estilo românico, que predominou nos séculos XI e XII, era essencialmente arquitetônico e marcou o início de uma fase de grandes construções em toda a Europa. Representou um rompimento quase completo com os modelos antigos e foi secundado pelo emprego, em larga escala, da decoração escultórica. Foi um estilo monumental, em que todas as formas eram reduzidas a seus elementos mais simples e, apesar de seu internacionalismo, desenvolveu-se de maneira mais característica na França.

Dotado de maior dinamismo foi o estilo gótico, que se implantou entre os séculos XII e XV. Estilo também essencialmente arquitetônico e internacional, se bem que adquirisse peculiaridades em cada país, o gótico substituiu o tratamento frontal pela utilização de diagonais e oblíquas, ao mesmo tempo que conferia muito maior importância à percepção do espaço. O arquiteto gótico elevou massas imponentes a grandes alturas. Parecia querer atenuar a lei da gravidade e conseguia um equilíbrio todo feito de tensões. Para alguns autores da moderna história econômica e social dedicada a esse período, a altura e magnificência das catedrais góticas expressaram muito mais o orgulho da burguesia ascendente e a competição entre suas cidades do que um surto de fé e espiritualidade.

A tensão já não se acha presente no estilo renascentista que se seguiu. Mas a rígida monumentalidade foi tão alheia ao espírito renascentista como o foi ao ideal gótico tardio. É que, se a arte medieval era antes de tudo simbólica e como que apartada da vida, a renascentista achava-se imbuída da experiência que o artista trazia do mundo exterior. A tendência a reproduzir a aparência real das coisas, que acabaria por gerar o realismo fotográfico de fins do século XIX, teve suas raízes na arte renascentista. Logo, porém, haveria de surgir uma nova reação a essa fase "clássica", com o advento do maneirismo no século XVI e já como prelúdio do barroco. O maneirista interpretava as formas de modo até certo ponto engenhoso, embora torturado.

A arte barroca dos séculos XVII e XVIII substitui o equilíbrio e repouso renascentistas pela constante sensação de movimento. O estilo barroco, no entanto, não pode ser comparado ao gótico: neste, a forma é espiritualizada e, naquele, intelectualmente elaborada. O artista barroco exalta o esforço físico e procura combinar uma energia toda terrena com elementos místicos. Obtém, assim, efeitos de incrível impacto dramático. O vigor desses resultados transforma-se em graça e frivolidade no período rococó, quando as formas se mostram ainda mais elaboradas, mas com uma sobrecarga decorativa que, nas últimas décadas do século XVIII, marca o final de um longo processo de desenvolvimento.

O renascimento neoclássico, que se verificou por volta de 1800, teve todo o aspecto de um movimento natimorto, tanto que, durante sua vigência, a arquitetura original deixou de ser praticada. A princípio, as formas arquitetônicas gregas e romanas ainda foram habilmente manipuladas por arquitetos capazes, mas a seguir se transformaram em frios pastiches ou meras imitações de modelos antigos.

Como um estilo implica antes de tudo adequação entre a vida mental e a existência física, e os homens do começo da era industrial pouco tinham em comum com os que construíram o Palazzo Pitti ou com a corte de Luís XIV, não é de se surpreender que essa época de cópias servis não alcance qualquer resquício de estilo próprio. Só a pintura realizou avanço significativo, romântica, realista, no final do século XIX já naturalista. O impressionismo, que se manifestou em seguida, trouxe cenas e paisagens em que a luz e a atmosfera se combinam de maneira quase impalpável. Em alguns casos já anuncia a arte abstrata do século XX.

Foi necessária a arte moderna do século XX para que aparecessem estilos novos e inconfundíveis de arquitetura. Graças a novas técnicas e materiais, os edifícios de hoje, em suas diversas tendências, não se assemelham a quaisquer outros das épocas anteriores. Assim também os pintores, escultores, desenhistas, gravadores trabalham em direções completamente novas. Em sucessivas vertentes de renovação, caracterizaram-se vivamente o expressionismo, o fauvismo, o surrealismo, o cubismo, o abstracionismo, as artes pop, op, conceitual, minimalista e tantas outras manifestações artísticas do século XX.

A breve síntese das modificações estilísticas descritas sugere a existência, no campo da arte, de uma lei da evolução capaz de repetir o que se passa na natureza. A idéia parece fortalecer-se quando se observa que uma mesma espécie de ritmo prevaleceu na arte pré-histórica, na da Grécia e Roma antigas. À arte grega que teve início nos séculos VII e VI a.C., no chamado período arcaico, seguiu-se o período "clássico" (séculos V e IV a.C.) e, depois, uma fase "barroca".

Para encerrar o ciclo grego, houve o período helenístico (séculos IV a I a.C.), de indiscutíveis tendências naturalistas. No entanto, as grandes diferenças existentes entre a arte da antiguidade e a da Europa ocidental mostram como a liberdade pode ser exercida, mesmo nos supostos limites da "lei da evolução natural". A arte grega clássica iria dominar, por bem pouco tempo -- com exceção da Itália -- a arte ocidental cristã do Renascimento. A cultura da Europa setentrional e ocidental é mais bem traduzida pelo gótico, e nada há mais diferente de uma catedral gótica do que um templo grego.

O estudo da evolução dos estilos mostra bem a relação entre as obras de arte e o período em que surgem, ou entre as obras de arte e o artista capaz de criá-las. Mostra também a influência de períodos sucessivos sobre construções que levaram muito tempo até serem dadas como prontas. O especialista pode situar uma obra de arte, ou agrupar obras anônimas, conforme diferentes escolas ou autores, assim como pode, com tais critérios, detectar falsificações.

Veja também:
Arte Popular

     
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