Ideologia no Brasil Na sociedade brasileira podem-se identificar diferentes sistemas de idéias predominantes em cada grande período histórico. Na primeira fase da colonização vigorou a ideologia do colonizador que, a partir do século XVII, entrou em choque com os elementos ideológicos gerados no próprio país. Assim, a primeira noção em torno da qual se formaram outras idéias foi a de dominação. O colono europeu era o dono e o conquistador da terra descoberta e, por isso, tudo se transformava em objeto de exploração. A dominação se fortaleceu com o regime paternalista, em que o patriarca ("coronel" ou senhor-de-engenho) era o árbitro universal e, ao mesmo tempo, o protetor de uma pequena comunidade familiar que dele dependia incondicionalmente. Esse regime só pôde existir graças ao trabalho escravo aplicado à monocultura. Toda sociedade escravocrata necessariamente valoriza o lazer e deprecia as atividades manuais ou braçais e daí decorre o gosto brasileiro pelo direito, pela oratória e pelo beletrismo. A elite intelectual, filha da casa-grande alicerçada no suor escravo, lentamente elaborou os elementos principais de uma ideologia brasileira, que acabou por entrar em choque com o dogmatismo dominador. O período da colonização, portanto, caracteriza-se por uma ambivalência ideológica, pois havia uma dualidade de interesses econômicos, políticos, intelectuais, enfim, uma ambivalência de clima social. A ideologia construída em grande parte pela simples implantação ou incorporação de valores externos convivia com uma ideologia autóctone em formação, que eclodiu nos movimentos nativistas: a insurreição pernambucana (1648-1654), a guerra dos mascates (1710) e a inconfidência mineira (1789), entre outros. Esses movimentos marcam o início de um período ideológico de transição, em que o choque entre os valores antigos e os novos fez nascer na consciência do brasileiro um sentimento de inferioridade em face do colonizador. Entre todos os movimentos nativistas, somente na inconfidência esteve em jogo a realidade brasileira como um todo. Nos demais, de consciência ideológica parcial, uma comunidade nativa se insurgia contra outra, aventureira e de mentalidade exploradora. As lutas que se prolongaram durante o período do Reino Unido (revolução pernambucana de 1817), o primeiro reinado (guerra da independência da Bahia de 1823 e confederação do equador), a regência (cabanos, farrapos, balaiada e sabinada) e as do segundo reinado (revolução liberal de São Paulo e de Minas Gerais em 1842 e revolução praieira) atestam uma transição ideológica na mentalidade das elites do país. O período seguinte, que começa depois da guerra do Paraguai e da abolição da escravatura, é útil para compreender o que se pode chamar de paradoxo burocrático brasileiro. Com a abolição, em 1888, deu-se a desorganização de todo o setor agrícola, cujo sustentáculo era o café. Considerando que, teoricamente, na evolução de uma civilização, ocorre gradativamente a passagem do setor primário (agricultura) para o secundário (indústria), e deste para o terciário (comércio, serviços públicos e particulares), a vida nacional, assim perturbada, deveria ter-se ajustado no setor secundário. Isso, porém, não foi possível, pois não havia mentalidade industrial e, na época, a atividade econômica não estava ainda em pleno desenvolvimento. Assim, a saída para a população mais favorecida foi saltar do setor primário para o terciário, o que inflacionou as atividades comerciais e os serviços burocráticos em todos os níveis. O político assumiu então o papel anteriormente desempenhado pelo senhor-de-engenho ou pelo patriarca da casa-grande, com uma clientela de protegidos que favoreceu o empreguismo público. No século XX, consolidada a república, houve uma tomada de consciência nacionalista, entendendo-se pelo termo tanto o alcance nacional dos programas políticos como a defesa contra a dominação e a imposição de valores estrangeiros. A atividade política nos centros urbanos do país já industrializado viu-se profundamente influenciada pelas idéias anarquistas e comunistas dos imigrantes europeus, enquanto que nas regiões rurais predominava ainda o autoritarismo próprio da estrutura social arcaica herdada incólume da colônia. A intermitente interferência das instituições armadas na vida política brasileira desde a proclamação da república contribuiu com elementos ideológicos importantes para a formação de uma consciência nacional pró-militarista e conservadora e de sua contrapartida democrática e progressista. Veja também:
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