Ceticismo

A verdade não existe; se existisse, seria impossível conhecê-la; e ainda que se pudesse conhecê-la, seria impossível comunicá-la. Essa fórmula resume os princípios do ceticismo e orienta a reflexão sobre os fundamentos e limites do conhecimento.

Ceticismo é uma doutrina filosófica segundo a qual, do ponto de vista teórico, não se pode conhecer a verdade e, do ponto de vista prático, só se chega à felicidade, entendida como ausência de inquietação (ataraxia), pela suspensão de todo juízo. Caracterizado por uma atitude que repele os dogmas, o ceticismo busca demonstrar a inconsistência de qualquer afirmação. A única posição justa é a recusa em assumir qualquer posição. A atitude cética, no entanto, não deve ser interpretada como indiferença: ela representa um esforço ativo por manter no espírito o equilíbrio entre as representações da realidade e as opiniões sobre essas representações.

O fundador do ceticismo antigo foi o filósofo grego Pirro de Élida, no século III a.C. Aceitando a distinção entre o que é verdadeiro por natureza e o que é verdadeiro por convenção, Pirro admite que as coisas existam por si mesmas e que tenham uma natureza, mas não que elas sejam acessíveis ao conhecimento. Não existem, portanto, coisas belas ou feias, boas ou más, verdadeiras ou falsas por natureza, mas somente por convenção ou costume. Nossos juízos sobre a realidade dependem de sensações, que são instáveis e ilusórias. O autêntico sábio, portanto, deve praticar a suspensão do juízo (epokhe), estado de repouso mental em que predomina a insensibilidade (apathia), em que nada se afirma e nada se nega (aphasia), de modo a atingir a felicidade pelo equilíbrio e pela tranqüilidade (ataraksia).

Partindo do princípio platônico de que não há ciência possível no mundo sensível, os filósofos gregos Arcesilau (século III a.C.) e Carnéades (século II a.C.) praticaram uma forma moderada de ceticismo. Ambos admitem a hipótese de que há opiniões mais ou menos prováveis e contestam a doutrina dos estóicos, para quem a verdade é evidência direta, ou seja, existe harmonia entre as representações e as coisas representadas.

No século I a.C., Enesidemo sistematizou as teses céticas sobre o caráter efêmero e a não-confiabilidade dos juízos e empreendeu uma crítica dos poderes limitados da razão. Organizou em dez tropos os argumentos céticos que recomendam a suspensão de todo juízo. A instabilidade dos juízos deve-se a diferenças entre

(1) espécies de seres animados;

(2) classes de homens;

(3) sensações;

(4) disposições humanas;

(5) posições no espaço;

(6) diversos meios interpostos entre os sentidos humanos e os objetos;

(7) estados mutáveis do próprio objeto;

(8) relações das coisas entre si e entre o sujeito e as coisas que ele julga;

(9) número de encontros entre o sujeito e os objetos que ele julga; e

(10) tipos de educação, costumes, leis, crenças e opiniões dogmáticas do sujeito.

A principal fonte de informação a respeito do ceticismo antigo são os escritos do astrônomo e médico grego Sexto Empírico, que viveu nos séculos II e III da era cristã. Sua formação levou-o a valorizar a observação prática e a busca de juízos com maior probabilidade de validade. Segundo Sexto, os argumentos do ceticismo contra os dogmáticos são:

(1) o caráter relativo das opiniões;

(2) a necessidade de uma regressão ao infinito para encontrar-se o primeiro princípio, no qual todos os outros se sustentam;

(3) o caráter relativo das percepções;

(4) toda demonstração se funda em princípios que não se demonstram, mas se admitem por convenção; e

(5) demonstrar algo supõe no homem a faculdade de demonstrar e a validade da demonstração.

Fora da antiguidade greco-romana, a identificação de elementos céticos em outras doutrinas filosóficas é uma questão sutil e controversa. De modo geral, pode-se dizer que a filosofia medieval, marcada pela teologia, permaneceu praticamente fechada à dúvida cética. Posteriormente, a influência do ceticismo pode ser apontada em pensadores tão diversos como o humanista cristão Pico della Mirandola, o matemático Gassendi e o pré-iluminista Pierre Bayle.

Montaigne, no século XVI, voltou-se inquisitiva e reflexivamente contra o antropocentrismo religioso e humanístico, que constituía a base da aspiração renascentista ao conhecimento racional universal. No século XVIII, David Hume criticou as noções metafísicas de existência e substância e o princípio racional da causalidade, sustentando que as relações de causa e efeito são indemonstráveis. Segundo Hume, todo o conhecimento provém de percepções da experiência, que podem ser impressões -- dados diretos dos sentidos ou da consciência -- ou idéias, que são combinações de impressões. No pensamento de Immanuel Kant, contemporâneo de Hume, a influência dos argumentos céticos se manifesta, por exemplo, na distinção entre fenômeno, que é objeto de conhecimento, e a "coisa em si", sempre inacessível à razão.

No século XIX, o dinamarquês Søren Kierkegaard criticou a teoria do conhecimento de Hegel, amplamente difundida e acatada, argumentando que não se pode conhecer de modo absoluto e sistemático uma realidade que é incompleta e mutável, e que a primeira das verdades é a incerteza. Suas idéias constituíram o fundamento do existencialismo, uma das correntes filosóficas mais importantes do século XX.