A Cabala em Safed


A expulsão dos judeus da península ibérica em 1492 e a migração dos judeus espanhóis para a Palestina fizeram florescer na cidade de Safed, na Galiléia, um círculo influente de cabalistas. Arrancados, pela perseguição, da contemplação filosófica e especulação mística, lançaram-se à ação, divulgando a cabala para as massas, que nela encontraram certa forma de esperança.

Sob essa influência surgiriam mais tarde movimentos como os dos falsos messias e o hassidismo. A tendência foi caracterizada pela busca do êxtase que leva a Deus e à libertação, e pela procura de um messias que redimiria o povo e o mundo. Foi em Safed que surgiram novas doutrinas, novas fórmulas de interpretação e novos conceitos místicos. Dois cabalistas de Safed se destacaram e marcaram o movimento: Cordovero e Isaac Luria.

Moisés ben Jacob Cordovero, em sua obra principal, Pardes rimonin (Pomar de romãs), interpretou e explicou o Zohar, estabelecendo a diferença entre o panteísmo neoplatônico e o da cabala: "Deus é realidade, mas esta não é Deus." Explicou ainda a natureza da criação do universo e das sefirot. Sua atitude filosófica é condizente com a dos cabalistas contemplativos e puramente especulativos do período espanhol.

Ao contrário de Cordovero, Isaac Luria foi místico e visionário voltado para a cabala prática e ativa. Filósofo e professor, só falava a seus discípulos, mas nada escreveu. Muitas obras no entanto foram escritas com base em idéias que lhe são atribuídas. Seus alunos encarregaram-se de divulgar-lhe o pensamento, sobretudo Haim Vital, que escreveu os cinco volumes de Etz hachaim (Árvore da vida). Luria voltou-se para a contemplação das forças naturais, onde via e ouvia o murmúrio das almas e a linguagem do espírito. A par de seus arroubos místicos, deixou teorias bem delineadas.

Os pontos centrais da doutrina de Luria são os seguintes:

  1. tzimtzum (concentração), teoria segundo a qual o Ein Sof, em sua primeira emanação, realiza um movimento, contrário, de concentração em si mesmo, abrindo espaço para a emanação de seus atributos; o universo virá a ocupar, assim, um espaço que Deus abriu ao exilar-se de si mesmo;
  2. shevirat hakelim (quebra dos vasos) é uma convulsão cósmica, que rompe os vasos que abrigavam as luzes das últimas sefirot; essa quebra rompe as kelipot, que abrigavam as forças do mal, restaurando o equilíbrio e a harmonia do universo;
  3. partzufim (faces): com a quebra dos vasos, cada sefirah recebe nova orientação, tornando-se um reflexo próprio do semblante do Ein Sof, projetado no Adam Kadmon;
  4. tikun (conserto, restauração) é a complementação do processo divino através da ação do homem; o cumprimento dos preceitos de Deus terminará o processo de restauração do universo e tudo será coroado com a vinda do messias; o ascetismo, a prática piedosa, a dedicação ao rito e ao êxtase são alguns dos possíveis caminhos para tal;
  5. guilgul (rotação, transmigração): a transmigração da alma é vista como a de uma única alma, a do Adam Kadmon, que encerra em si a de toda a humanidade.

A existência de uma alma coletiva dá a cada homem uma relação indissolúvel de causa-efeito com todos os homens. Seus pecados e seus méritos se refletirão no destino de todos. Derivada dessa teoria, a do dibuk explica a posse de um corpo vivo pela alma de um morto ou de um demônio.

Luria, conhecido como Haari Hakadosh (leão sagrado) ou simplesmente Haari, tornou-se um marco de transição entre a cabala especulativa e os movimentos de massa judaicos nela inspirados. Acentuando a importância do papel do homem no misticismo da cabala, abriu caminho para uma atitude mística ativa, que visa à busca e ao encontro da harmonia e da redenção.

     
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